Associados a diabetes e obesidade, processados são 30% da dieta brasileira

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Quase um terço das calorias ingeridas pelos brasileiros está relacionada ao ato de abrir uma embalagem; o problema é que esse comportamento está associado ao ganho de peso e à baixa qualidade nutricional. Isso é o que apontam estudos reunidos em um número especial da revista científica Public Health Nutrition, publicada em dezembro pela Sociedade Britânica de Nutrição, dedicada aos impactos para a saúde do consumo de alimentos ultrultraprocessados em vários países, entre eles o Brasil.

Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado em 2014, os alimentos são divididos em quatro categorias: a primeira reúne os produtos in natura, como frutas, verduras, leite e ovos, e os minimamente processados como grãos e farinhas; a segunda categoria é dos alimentos usados para cozinhar e temperar, como açúcar, sal e os óleos de cozinha; a terceira, por sua vez, comporta os produtos processados, aqueles in natura que tem adição de sal, açúcar ou óleo para aumentar o tempo de conservação; por fim, estão alimentos ultraprocessados, como biscoitos, salgadinhos, refrigerantes e pratos congelados.

Para dar um exemplo, considera-se a espiga de milho um alimento in natura. O milho em conserva enlatado entra na categoria dos processados. Já o pacote de salgadinho com o sabor milho é classificado como ultraprocessado.

"O consumidor consegue identificar esse alimento pelo rótulo: quando ele não é autoexplicativo, quando você não identifica a maior parte dos ingredientes pelo nome, então pode saber que é um alimento ultraprocessado", diz Wanessa Natividade, nutricionista Fiocruz.

Em um dos artigos publicados na Public Health Nutrition, um grupo de pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) avaliou os dados da dieta de 32.898 brasileiros. Eles descobriram que, em média, 58,1% das calorias vinham de alimentos não processados ou minimamente processados, 10,9% de temperos culinários, 10,6% de comida processada e 20,4% dos ultraprocessados. Nos Estados Unidos, por exemplo, a última categoria chega a 57,6%.

Os pesquisadores também relataram que quanto mais distante da versão in natura dos alimentos, pior era a qualidade nutricional dessas dietas. "O consumo de alimentos ultraprocessados foi diretamente associado ao alto consumo de de açúcares livres e gorduras totais, saturadas e trans, e com baixo consumo de proteína, fibra dietética e a maioria das vitaminas e minerais avaliados", afirmam os pesquisadores da USP no artigo.

O resultado pode ser percebido na balança, mas também no consultório médico. "O que acontece é um desequilíbrio, provocando, na maioria das vezes, um aumento das doenças crônicas não transmissíveis, como colesterol alto e quadros de diabetes", afirma a pesquisadora da Fiocruz.

No Brasil, os dados da última pesquisa Vigitel (Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por Inquérito Telefônico), do Ministério da Saúde, mostram que o número de pessoas diagnosticadas com diabetes cresceu 61,8% entre 2006 e 2016, enquanto o número de obesos aumentou 60% no país no mesmo período. Nos dois casos, o problema se agrava entre o que têm menor escolaridade.

"Há um avanço dos espaços de publicidade e da oferta dos produtos ultraprocessados para a população de baixa renda no Brasil, por meio da redução do preço, da venda em porções menores, do comércio de porta em porta. Por outro lado, a qualidade dos ingredientes piora para baratear os produtos e essa população tem menos acesso à informação para identificar se aquilo é saudável ou não", diz Ana Paula Bortoletto, pesquisadora em alimentos do Idec. (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

Todo mundo paga a conta

Um estudo realizado com 8.451 estudantes espanhóis e publicado na revista American Society for Nutrition identificou que quase dois mil dos entrevistados foram diagnosticados com sobrepeso ou obesidade após uma década. A justificativa estava na alimentação a longo prazo: quem comia mais ultraprocessados tinha mais chances de estar no grupo que precisava perder peso.

"Vários mecanismos desses alimentos contribuem para excesso de peso: a dependência da hiperpalatibilidade --que faz com que a pessoa tenha uma tendência ao sabor mais acentuado--, eles possuem uma maior densidade de energia, ou seja, têm uma quantidade maior de caloria em uma menor porção de alimento, e quando você não prepara a sua comida, não tem controle sobre a quantidade de açúcar, sal e gordura", afirma a pesquisadora do Idec.

Engana-se quem pensa que o resultado negativo é apenas estético. Uma pesquisa realizada na UnB (Universidade de Brasília) pela nutricionista Michele Lessa, atual coordenadora-geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, mostra que em 2011 o custo da obesidade para o SUS (Sistema Único de Saúde) em 2011 foi de quase meio bilhão de reais.

Esse número leva em conta cirurgias bariátricas, mas também internações e tratamentos de doenças associadas à obesidade, como alguns tipos de câncer, doenças cardiovasculares e diabetes.

Indústria nega terminologia

 A Abia (Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação) rechaça a classificação de produtos como ultraprocessados. Segundo o setor, "não existe tal definição no campo da ciência e tecnologia de alimentos”.

Para a associação, o uso dessa definição, "criada por profissionais de outras áreas que não dominam a teoria e prática do processamento de alimentos", "ignora o fato de que estes alimentos são aprovados pelas agências regulatórias governamentais, após rigorosa análise para comprovar sua eficácia e segurança para o consumo".

A Abia defende que a obesidade é resultado de múltiplas causas e não pode ser associada apenas aos alimentos industrializados.
A OMS (Organização Mundial da Saúde), no entanto, não só utiliza o termo, como defende a redução dos alimentos e bebidas ultraprocessados para a redução da epidemia de obesidade na América Latina.

Mesmo em lados opostos, representantes da sociedade civil, do governo, da indústria alimentícia e profissionais da saúde discutem desde 2014 na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) uma das saídas para facilitar a escolha pelos consumidores: a mudança na rotulagem. A agência, no entanto, ainda não abriu uma consulta pública sobre o tema, passo que antecede uma decisão.

"Uma mudança efetiva e duradoura na alimentação do brasileiro não passa por culpar os indivíduos, é mais do que isso. Só educar não funciona, é preciso um ambiente alimentar que favoreça escolhas mais saudáveis, como ter menos publicidade, preços melhores para os alimentos saudáveis e informação adequada no rótulo", afirma a pesquisadora do Idec.


Fonte: www.noticias.uol.com.br

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