Música intensifica efeitos de medicamento para hipertensão

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A música como terapia já se mostrou eficaz para promover o bem-estar, curar dores de cabeça tensionais, controlar o estresse e frear o desenvolvimento de Alzheimer. Agora, a técnica pode complementar o tratamento para hipertensos ao potencializar os efeitos dos remédios.

"Depois que o paciente toma o medicamento, o coração relaxa na primeira hora. Com música, a resposta desse relaxamento foi mais intensa, a frequência cardíaca caiu mais do que quando ele não ouve música", diz Vitor Engrácia Valenti, coordenador do estudo que mostrou a influência positiva da musicoterapia na ação dos remédios anti-hipertensivos.

A investigação foi realizada pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília, onde Valenti é professor, em parceria com a Faculdade de Juazeiro do Norte, a Faculdade de Medicina do ABC e a Oxford Brookes University, na Inglaterra. Os resultados foram publicados na Scientific Reports.

O grupo de pesquisa já vinha avaliando os efeitos da música em pessoas saudáveis em casos de estresse e nos exercícios físicos, por exemplo. Para analisá-los na ação dos remédios, os pesquisadores selecionaram 37 pacientes com hipertensão controlada e mediram a variabilidade da frequência cardíaca deles em dois dias aleatórios.

No primeiro dia, os participantes foram avaliados dez minutos antes da medicação e 20, 40 e 60 minutos após ingerir o remédio. Durante toda essa uma hora, eles ouviam músicas em fones de ouvido, sempre na mesma intensidade. No segundo dia, o procedimento foi o mesmo, exceto pelo fato de que os fones estavam desligados.

Os pesquisadores notaram que, com música, a frequência cardíaca das pessoas diminuía ao longo dos 60 minutos após a medicação. Porém, sem a intervenção, a variabilidade nos batimentos do coração permanecia inalterada.

"Uma hipótese é que, quando a pessoa escuta a música, uma região no encéfalo relacionada à nossa satisfação recebe dopamina, o que dá sensação de prazer e causa redução na concentração de hormônios como cortisol [conhecido como hormônio do estresse]", explica Valenti.

Segundo ele, há também uma ativação do sistema nervoso parassimpático, que está relacionado com o relaxamento do organismo. "Acreditamos que o relaxamento causa atividade em um nervo que passa pelo coração e sistema gastrointestinal. Isso aumenta a absorção do medicamento e potencializa o efeito dele", diz.

Como, neste caso, a música tinha um efeito relaxante, Valenti diz que outra técnica que levasse a esse estágio poderia colaborar para o mesmo resultado. "Nosso grupo de pesquisa tem focado na música e na respiração controlada que, geralmente, psicólogos sugerem em quadros de ansiedade", exemplifica.

Por ter sido feito com um grupo pequeno de pessoas, o pesquisador lembra que o estudo não comprova que a música melhora a ação do medicamento, mas traz fortes evidências científicas. Uma comprovação só seria possível após anos de avaliação com uma amostra maior e considerando as variações genéticas e raciais, por exemplo.

Adele na ciência. As músicas escolhidas para o estudo foram Someone like you (instrumental piano) e Hello, de Adele; Airstream, de Electra; Amazing Grace (instrumental), do cantor de música cristã Chris Tomlin, e Watermark, da cantora Enya. Todas tem um ritmo mais lento.

Valenti explica que nos últimos três anos, seu grupo de pesquisa tem trabalhado com músicas clássicas relaxantes. Mas, neste caso, em vez de um som mais erudito (como Beethoven ou Bach), os pesquisadores optaram por canções modernas com as quais os pacientes têm mais contato.

Na musicoterapia, "o que define o repertório é o efeito terapêutico que você quer", afirma Eliseth Leão, pesquisadora do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein. Além disso, ela diz que a música que a pessoa gosta não necessariamente será a que trará os benefícios desejados dentro da terapia. Uma música do grupo Olodum, por exemplo, pode servir muito bem para incentivar o movimento em casos de reabilitação, mas não para relaxar – pelo menos o pé vai querer mexer.

Ondas sonoras e cerebrais

A música como terapia age em benefício do organismo por meio de processamento cerebral. No caso de tratamento para dor, área em que Eliseth atua, elas servem, primeiro, como distração à medida que altera a percepção do paciente, que passa a se concentrar no que está ouvindo.

Após distrair, a canção pode, dependendo do estilo, levar a um estado de relaxamento e à quebra do ciclo dor-ansiedade-tensão, explica a pesquisadora, o que diminui a percepção da dor. Outro mecanismo que a música ativa é a liberação de neuromoduladores, substâncias químicas que nos fazem sentir emoções.

"Dependendo do material sonoro, no estado de relaxamento, começa a ter uma produção de ondas que liberam endorfina, que são os analgésicos naturais", diz Eliseth. A música, segundo ela, ainda modula nossas emoções e pode despertar um tipo de experiência, prazerosa ou não. Tudo vai depender do objetivo da terapia.

Eliseth reforça que a musicoterapia é um recurso complementar aos tratamentos convencionais, e Valenti afirma que ela não deve substituir os medicamentos de que a pessoa precisa.

Mil e uma utilidades

Os estudos sobre a ação da música na saúde do ser humano vão desde a gravidez até o estágio final da vida. Em um artigo, profissionais ligadas ao Hospital Israelita Albert Einstein mostraram como a música ajuda no alívio da dor de pacientes com câncer. Os pacientes perceberam redução da dor, da ansiedade e começaram a acreditar na música como forma de terapia.

A música também poderia nos tornar mais produtivos no trabalho. Um estudo canadense indicou que o estado positivo e a qualidade de trabalho foram menores sem música enquanto o tempo destinado às tarefas foi maior quando a música era removida.

Fonte: Estadão

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